28 Novembro 2020
“As ovelhas não são seguidoras cegas da Igreja”, disse um ex-paroquiano.
As pessoas que tentaram alertar a Arquidiocese de Montreal sobre um padre pedófilo disseram que estão tristes, brabas e saturadas por causa de um explosivo relatório que destaca as repetidas falhas da Igreja em atender seus alertas.
A reportagem é de Leah Hendry, publicada por CBC News, 26-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Arquidiocese de Montreal pediu à juíza aposentada da Corte Superior de Quebec, Pepita Capriolo, que investigasse a maneira como a Igreja lidou com as acusações contra o ex-padre Brian Boucher, que foi condenado em janeiro de 2019 por abusar sexualmente de dois meninos.
O relatório de Capriolo, publicado na quarta-feira, destaca as falhas dos oficiais da Arquidiocese de Montreal em agir depois de repetidas bandeiras vermelhas terem sido levantadas sobre Boucher.
“Eu disse a vocês que estava destruído pelo que foi reunido por Capriolo”, disse Kurt Reckziegel, um paroquiano da Igreja Nossa Senhora da Anunciação, na cidade de Mount Royal.
“Estou triste. É inacreditável”.
Boucher foi pároco de Nossa Senhora da Anunciação de 2005 a 2014.
Antes da chegada de Boucher na paróquia, Reckziegel era parte de um grupo que se encontrava com oficiais da igreja para falar sobre seus anseios. Eles escutavam rumores sobre sua personalidade controladora, estilo autoritário de administração e proximidade com jovens.
Suas preocupações foram desprezadas.
“Eu não consigo entender a ignorância, a negligência”, afirmou Reckziegel.
Em seu relatório, Capriolo descreve como uma “cultura de segredos” prevaleceu na Igreja quando se olhava para as preocupações sobre Boucher.
O relatório detalha como algumas das mais poderosas figuras católicas do Canadá, incluindo o cardeal Marc Ouellet, uma vez candidato ao papado, o cardeal Jean-Claude Turcotte, já falecido, e Anthony Mancini, aposentado da arquidiocese de Halifax, foram avisados dos problemas com Boucher, mas fizeram pouco para colocar um fim neles.
Reckziegel acredita que alguns oficiais da Igreja nomeados no relatório deveriam considerar a renúncia. Ele disse que aparece “uma panelinha de pessoas que estão mais determinadas em se proteger, proteger seus ofícios e o clero que em cuidar”.
“Na nossa religião, nós chamamos o Senhor de pastor, e nós somos as ovelhas”, afirmou Reckziegel.
“Eu digo que as ovelhas não são mais seguidoras cegas da Igreja, e algum deveria lembrá-los disso”, continuou.
O arcebispo Christian Lépine disse na quarta-feira que quaisquer sanções internas para oficiais da Igreja sobre o tratamento das alegações seriam determinadas pelo Vaticano.
Lépine também disse que a igreja tomará medidas para determinar se outros casos de abuso foram ignorados.
“A partir de janeiro e fevereiro, uma equipe externa examinará tudo o que temos e buscará denúncias que não foram tratadas devidamente”, disse Lépine.
Há dúvidas, entretanto, sobre se a Igreja pode ser confiável para fazer esse trabalho.
A advogada Virginie Dufresne-Lemire representa uma das vítimas de Boucher, que é a principal demandante em uma ação coletiva contra a Arquidiocese de Montreal em nome de qualquer pessoa que possa ter sido abusada por qualquer padre de Montreal desde 1940.
Além de um acordo, a Dufresne-Lemire disse que seus clientes gostariam que a província abrisse um inquérito público.
“Achamos que uma comissão de inquérito seria capaz de lançar luz sobre uma situação que sabemos que aconteceu. Agora temos a prova de que aconteceu pelo menos uma vez e sabemos que aconteceu mais”, disse Dufresne-Lemire.
A província já disse no ano passado que não pretende realizar um inquérito público e que confia na Igreja para fazer o trabalho.
Elisabeth Gosselin, porta-voz do ministro da Justiça Simon Jolin-Barrette, disse em um e-mail que o relatório de Capriolo não mudou a posição do governo.
“O relatório é profundamente chocante. É importante esclarecer as alegações de agressão sexual. Saudamos a iniciativa da Arquidiocese de Montreal de lançar uma auditoria externa sobre o assunto”, disse Gosselin.
Outros ex-paroquianos se perguntaram se as acusações criminais deveriam ser feitas.
“Se houver responsabilidade criminal lá, deve ser perseguido com certeza”, disse um homem que frequentou a paróquia de Santa Verônica em Dorval quando era menino. A CBC News concordou em não identificá-lo pelo nome.
Seus pais, junto com três outras famílias, levantaram bandeiras vermelhas sobre o comportamento de Boucher em meados da década de 1980, antes de Boucher se tornar padre.
“A segurança das crianças não foi realmente considerada pelos que estão no poder da Igreja”, disse ele.
Outro paroquiano que estava preocupado com Boucher antes de sua ordenação disse que os esforços para protegê-lo a deixaram fisicamente doente.
“Cada vez que isso acontece, fico destruída: desgosto, culpa por expor meus filhos a esse monstro, raiva da Igreja por ignorar tudo, raiva da comoção que cercou sua ordenação”, disse a mulher, que também pediu para não ser nomeada.
Ela estava cética de que a Igreja seria capaz de mudar, visto que muitos membros do sacerdócio ainda faziam parte da velha guarda.
Um porta-voz da polícia de Montreal não disse se levaria em consideração o relatório de Capriolo ou se a força ainda estava investigando Boucher ou qualquer outra pessoa da Igreja que lidou com as acusações.
“Em geral, os investigadores do SPVM podem ter que examinar uma infinidade de documentos de uma natureza muito variada se conseguirem encontrar pistas ou evidências”, disse a polícia de Montreal em um comunicado enviado por e-mail.
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Canadá. Católicos irritados, tristes pela má administração da Arquidiocese de Montreal em caso de abuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU